2.3 O DIREITO COMO MECANISMO DE REGULAÇÃO SOCIAL


No início da humanidade, como se viu no processo civilizatório, o homem vivia sob a lei natural. Era através dela que ele sobrevivia e procurava seu bem-estar individual, da família e da tribo, enquanto lutava pela própria conservação. Na seqüência, viu-se que a religião nasce com a consciência do homem de sua existência no mundo. Neste sentido, estudar-se-á agora o direito, que aparece em forma de lei natural, incutida diretamente na consciência individual, confundida com regra de conduta religiosa, mas que com o progresso da civilização, se firma pelos costumes e separa-se da religião.

A esse respeito diz Miguel Reale:

O homem, nos tempos primitivos, é governado, como se sabe, por um complexo de regras ao mesmo tempo religiosas, morais, jurídicas, indiferençadas no bojo dos costumes, elaboradas no anonimato do viver coletivo, exigidas por chefes e sacerdotes. Durou milênio o processo de diferenciação das regras que hoje governam órbitas distintas de conduta.[28]

Com o passar do tempo, as pessoas se agruparam e formaram sociedades que desembocaram nas grandes civilizações. Nestas civilizações, órgãos específicos redigiam regras de direito. Estas regras no inicio estavam relacionada aos costumes dos povos, posteriormente, surgiram as primeiras codificações, com as quais se procurava organizar as primitivas normas consuetudinárias.[29]

Tercio Sampaio Ferras Jr. Explica:

No horizonte do direito arcaico só há lugar para uma única ordem: a existente, que é a única possível, a querida pela divindade e, por isso, sagrada. O direito e a ordem querida (e não criada) por um deus. Não sendo uma ordem criada, mas querida, o direito obriga tanto o homem como a divindade, que o defende, o impõe, mas não o produz nem o modifica (a idéia de um Deus criador surge na tradição judaica e se passa, depois, à tradição cristã).[30]

Com o aumento quantitativo e complexo das interações humanas, surge a necessidade de uma organização social administrativa onde o domínio político se diferencia da organização religiosa, guerreira e cutural.[31] Torna-se então, possível, contestar o sacerdote e ao guerreiro, o pai e ao filho, o comerciante e ao governante, sem que previamente o direito se identifique com o comportamento desse ou daquele. Por conseguinte, todos podem invocar o direito dentro da comunidade. Conseqüentemente há necessidade de qualificar pessoas para dizer o direito. Surgindo daí a função dos juizes, dos tribunais, partes e advogados. O que vai gerar uma separação entre o exercício político, econômico, religioso do poder e o exercício do poder argumentativo do operador do direito. Tem-se assim, o nascimento da arte de elaborar e trabalhar o direito.[32]

Nesse sentido afirma Reale:

Nós, homens civilizados - ou que nos consideramos tais -, pensamos que a obrigação jurídica é um fato intuitivo e evidente, e não nos apercebemos de quanto custou à espécie humana chegar ao ponto de compreender, por exemplo, a validade de uma obrigação jurídica por si mesma, por ser mera expressão de uma declaração de vontade.[33]

Desse direito trabalhado tem-se que se codificado por leis escritas se chama Direito Positivo; Se for proveniente de uma divindade será Direito Divino; se for um conjunto de regras baseadas no bom-senso e na eqüidade, será Direito Natural; se baseado em costumes praticados por muito tempo, será Direito Consuetudinário.[34]

O Direito como se percebe vai tomando o significado que a sociedade estabelece, pactua.

Segundo David Schnaid:

O Direito é produzido pelo homem, é objeto cultural. É impossível descrever e compreender os fenômenos jurídicos dissociados das finalidades, dos propósitos, que são sua razão de ser [...]. Há sempre um suporte, que é a forma de que se reveste, que é objetiva, está nas normas, na estrutura, na organização.[35]

Para explicar de que forma o Direito é produzido pelo homem, como objeto cultural, Reale traz um exemplo esclarecedor quando diz:

Vejamos um cheque ou letra de câmbio. Eis um bem cultural que tem suporte material, um pedaço de papel apresentando palavras e números, que nossos olhos vêem, de cuja efetividade nos certificamos. Este pedaço de papel, com o que nele está impresso, alberga um significado jurídico. Os bens jurídicos não são senão espécies de bem cultural.[36]

Disso se infere, que "a realidade social é uma manifestação da natureza humana, e a realidade social é o Direito positivo".[37]

O Direito positivo é o que fixa os princípios que devem regular as relações dos homens entre si, para sustentar o equilíbrio da sociedade e as penas aplicáveis contra a infração destes princípios. Sendo assim, o direito positivo é sempre imposto coercitivamente pelo poder social a todos os cidadãos e se materializa através das leis.[38]

Kelsen a respeito comenta:

A convivência de seres humanos é caracterizada pelo fato de que sua conduta recíproca é regulamentada A convivência de indivíduos, em si um fenômeno biológico, torna-se um fenômeno social pelo próprio fato de ser regulamentada. A sociedade é a convivência ordenada ou, mais exatamente, a sociedade é o ordenamento da convivência de indivíduos.[39]

O Direito positivo pode ser Eclesiástico ou Canônico, quando se trata do Código da Igreja Romana. Será Direito Civil, ramo do direito privado, quando regula os interesses respectivos dos particulares entre si, naquilo que diz respeito aos negócios relativos à sua pessoa, aos seus bens e as suas convenções. Já, se esse direito regula às regras jurídicas relativas à constituição de um Estado e às relações entre ele e os particulares passa a ser denominado Direito Publico.[40]

Com relação ao Direito público e privado leciona Giorgio Del Vecchio:

O problema da distinção entre direito público e direito privado, a que acabamos de aludir, é ainda hoje muito discutido, segundo a doutrina romanista, que atualmente ainda tem partidários [...]. Eis porque alguns autores - DERNBURG, por exemplo - afirmam que ao direito público pertencem as normas que consideram principalmente o interesse geral, ou seja, o interesse do Estado, e ao direito privado as que respeitam principalmente ao interesse dos indivíduos.[41]

Quando se está tratando de um conjunto de regras jurídicas relativas ao crime, à responsabilidade criminal e às medidas de segurança, então, o direito positivo passa a ser chamado Direito Penal. Nesse caso tem-se uma sistemática de prevenção, repressão e punição dos fatos que se reputam atentatórios da ordem e segurança social.[42]

Conforme explica André Franco Montoro:

O Direito Penal pode ser definido como o ramo do Direito Público que regula a atividade repressiva do Estado, definindo os crimes e determinando as penas e medidas de segurança aplicáveis. [...] Só o Estado tem hoje o direito de punir. Não se admite mais, como no passado, o regime de vingança privada, em que os particulares - indivíduos, famílias ou outros grupos - faziam justiça por suas próprias mãos. 'Hoje o Direito Penal é unanimente considerado um ramo do Direito Público, pois o crime tem valor de ofensa à sociedade e a pena o sentido de reparação ou retribuição no interesse social'.[43]

Enquadra no Direito Penal o Direito Penal Militar que regula os deveres funcionais dos membros das classes armadas, estabelecendo penas para os infratores. Ainda com relação ao Direito Penal tem-se o Direito Processual Penal, que é um conjunto de normas jurídicas que disciplinam a atividade do poder judiciário e das pessoas que com ele entram em contato ou que lhe prestam colaboração.[44]

Ainda dentro do Direito Positivo tem-se o Direito do Trabalho, que também é um ramo do direito privado, formado por normas jurídicas que disciplinam as relações individuais ou coletivas de trabalho, bem como os meios de resolver os conflitos que delas se originam. "Trata-se de um direito novo, que se desmembrou do Direito Civil, onde era simples capítulo, relativo aos contratos de locação de serviços".[45]

Existem muitas outras denominações e ramos do Direito, mas que foge a intenção desse trabalho cujo objetivo principal é demonstrar a importância do direito como mecanismo de regulação social. E isso, subtende-se realizado.


[28] REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 500.

[29] VICENTE, et al, 1994, p. 1193.

[30] FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo de direito: Técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 53.

[31] FERRAZ JUNIOR, 1994, p. 54.

[32] Ibid., p. 55.

[33] REALE, 1999, p. 503.

[34] VICENTE, et al, 1994, p. 1193.

[35] SCHMAID, David. Filosofia do direito e interpretação. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 48.

[36] REALE, 1999, p. 224.

[37] KELSEN, 2001, p. 201.

[38] VICENTE, et al, 1994, p. 1193.

[39] KELSEN, op. cit., p. 225.

[40] VICENTE, et al, op. cit., p. 1194.

[41] DEL VECCHIO, 1979, p. 390.

[42] VICENTE, et al, 1994, 1194.

[43] GARCIA, Basileu [s/d] apud MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 25. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 414.

[44] VICENTE, et al, 1994, p. 1194.

[45] MONTORO, op. cit., p. 425.

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